Lua Adversa (2021)
- Produced by Cristina Clara, Pedro Loch, Edu Miranda
- Recorded by Nuno Simões - Estúdio Vale de Lobos
- Mixed by André Tavares - Atlântico Blue Studios
- Art direction by Daniela Fraga, Margarida Andrade
- Design and photography by Daniela Fraga
1. Manjericos
O aroma dos manjericos Espalhou-se p’la cidade No meu peito desarmado Ecoou velha saudade Foi na marcha de Alfama Que fizemos a vontade Do santo casamenteiro E fui tua de verdade Capelinha de melão É de cravo é de rosa Vou pedir a S. João Para te trazer de volta E na festa de Yemanjá Dia dois de Fevereiro Ver-te então abandonar A bordo de um saveiro.
As velas do Mucuripe, vão sair para pescar Vou levar as minhas mágoas, pras águas fundas do mar Hoje a noite namorar, sem ter medo da saudade E sem vontade de casar. Vida, vento, vela, Aquela estrela é dela Vida, vento, vela, leva-me daqui
2. Flor Amorosa
Flor amorosa, compassiva, sensitiva vem, porque É uma rosa orgulhosa, presunçosa, tão vaidosa Pois olha a rosa tem prazer em ser beijada, é flor, é flor Oh, dei-te um beijo, mas perdoa, foi à toa, meu amor Em uma taça perfumada de coral, Um beijo dar, não vejo mal É um sinal de que por ti me apaixonei Talvez em sonhos foi que te beijei Se tu quiseres extirpar dos lábios meus, Um beijo teu, tira-o por Deus Vê se me arrancas esse odor de resedá Sangra-me a boca, é um favor, vem cá Não deves mais fazer questão Já pedi, queres mais, toma o coração Ah, tem dó dos meus ais, perdão Sim ou não, sim ou não Olha que eu estou ajoelhado A te beijar, a te oscular os pés Sob os teus, sob os teus olhos tão cruéis Se tu não me quiseres perdoar Beijo algum em mais ninguém eu hei de dar Se ontem beijavas um jasmim do teu jardim A mim, a mim, Oh, por que juras mil torturas Mil agruras, por que juras? Meu coração delito algum por te beijar não vê, não vê Por um beijo, um gracejo, tanto pejo Mas por quê?
3. O Pajem
Todas as noites um pajem Com voz linda e maviosa Ía render homenagem À marquesinha formosa Mas numa noite de agoiro O marquês fero, brutal, Naquela garganta de oiro Mandou cravar um punhal E a marquesa delirante, De noite em seu varandim, Pobre louca alucinante, Chorando cantava assim: Ó minha paixão querida Meu amor, meu pajem belo Foge sempre minha vida, Foge sempre minha vida Desse maldito castelo!
4. Real e Abstrato
Vou deixar no casco de um barco A marca do meu quadril Lancei pedrinhas no lago Do mundo sou aprendiz Medi, o metro é quadrado, Segura p’ra não cair! Não fazer o certo, está errado. Viver é real e abstrato. Eu vou deixar meu casco, Viver é real e abstrato E vou levando o barco... Viver é real e abstrato.
Meu amor é marinheiro E mora no alto mar Seus braços são como o vento Ninguém os pode amarrar
5. Um dia hei-de inventar
Um dia hei-de inventar A canção mais bonita Onde caiba a saudade E a verdade infinita Que achei no teu olhar Que tem luz como estrelas E acendeu pl’a cidade O luar nas janelas E hei-de sempre cantar O momento e a lembrança Do dia em que apagaste No meu peito a esperança Que a cantar sei chorar Sem mágoa, sem violência E é mais livre a saudade Alheia à tua ausência.
6. Lua
Quis morar dentro da lua, Andar por ela escondida Brilhar sobre a tua rua… Era cheia a minha vida! Era nova a vida minha! Já nem pensava em ser tua Crescente por estar sozinha. Sou das estrelas que vêm Ensinar-me o calendário Do tal destino arbitrário Dos caprichos do seu uso Das marés que não se cansam Dos horários do seu fuso Marco encontro com ninguém Sentada na meia lua Tudo o que tinha de meu Era o sonho de ser tua E agora que se fez dia A lua desapareceu E agora que se fez dia O sonho desapareceu!...
7. Sete Cantigas Para Voar
Cantiga de campo De concentração A gente bem sente Com precisão Mas recordo a tua imagem Naquela viagem Que eu fiz pro sertão Eu que nasci na floresta Canto e faço festa No seu coração Voa, voa, azulão… Cantiga de roça De um cego apaixonado Cantiga de moça Lá do cercado Que canta a fauna e a flora E ninguém ignora Se ela quer brotar Bota uma flor no cabelo Com alegria e zelo Para não secar Voa, voa no ar… Cantiga de ninar A criança na rede Mentira de água É matar a sede: Diz pra mãe que eu fui para o açude Fui pescar um peixe Isso eu não fui não Tava era com um namorado Pra alegria e festa Do meu coração Voa, voa, azulão… Cantiga de índio Que perdeu sua taba No peito esse incêndio Céu não se apaga Deixe o índio no seu canto Que eu canto um acalanto Faço outra canção Deixe o peixe, deixe o rio Que o rio é um fio de inspiração Voa, voa, azulão...
8. Saia Velhinha
A minha saia velhinha Está toda rotinha De andar a bailar Agora tenho uma nova Feitinha da moda Para estrear A minha saia velhinha Que eu ainda trago vestida Mas não a dou a ninguém Nem por nada desta vida. A minha saia velhinha Está toda rotinha De andar a bailar Agora tenho uma nova Feitinha da moda Para estrear Minha mãe casai-me cedo Enquanto sou rapariga Que o milho ceifado tarde Não dá palha nem espiga. A minha saia velhinha Está toda rotinha De andar a bailar Agora tenho uma nova Feitinha da moda Para estrear
9. Vira do Mondego
Não trazes a tua capa Mas olha que a noite é fria E tudo o vento destapa Numa doida correria Só o Mondego dormente A bailar de contente É que nós desafia Tira o meu xaile e embrulha-te nele Porque o Mondego de noite arrefece E o amor frio bem cedo se esquece Não vás de guitarra ao peito Cantar uma serenata Dizer que dormes no leito Desse Mondego de prata E que já nada amor me inspira Isso não que é mentira Eu não sou tão ingrata Tira o meu xaile e embrulha-te nele Porque o Mondego de noite arrefece E o amor frio bem cedo se esquece Não vás saltar às fogueiras Bailar nas descamisadas Porque andam noites inteiras Muitas tricanas coitadas Bailando em desassossego E até no Mondego Andam almas penadas. Tira o meu xaile e embrulha-te nele Porque o Mondego de noite arrefece E o amor frio bem cedo se esquece
10. Tico Tico no Fubá
O tico-tico tá Tá outra vez aqui O tico-tico tá comendo o meu fubá Se o tico-tico tem, tem que se alimentar Que vá comer umas minhocas no pomar O tico-tico tá Tá outra vez aqui O tico-tico tá comendo o meu fubá O tico-tico tem, tem que se alimentar Que vá comer umas minhocas no pomar Ó por favor, tire esse bicho do celeiro Porque ele acaba comendo o fubá inteiro Tira esse tico de cá, de cima do meu fubá Tem tanta coisa que ele pode pinicar Eu já fiz tudo para ver se conseguia Botei alpiste para ver se ele comia Botei um gato, um espantalho e um alçapão Mas ele acha que fubá é que é boa alimentação.
11. Novo Fado da Melancia
É tão fresca a melancia Como a boca da mulher E se o freguês desconfia Venha provar se quer ver Esta Lisboa à fatia Sorriso à mão de beber Desde o amanhecer Ao entardecer Provar é beber Da cidade a vida inteira Numa fatia de verão Até faz renascer O Parque Mayer No sonho de quem quer A rubra fruta ligeira Lisboa feita canção Se a freguesa é mais arisca E recusa com desdém Tão doce que nem arrisca Que é coisa que nem cai bem Quando a gente não petisca Mais há-de ficar p’ra alguém Desde o amanhecer Ao entardecer Provar é beber Da cidade a vida inteira Numa fatia de verão Até faz renascer O Parque Mayer No sonho de quem quer A rubra fruta ligeira Lisboa feita canção
12. Viagem
Aparelhei o barco da ilusão E reforcei a fé de marinheiro Era longe o meu sonho, e traiçoeiro O mar… (Só nos é concedida Esta vida Que temos E é nela que é preciso Procurar O velho paraíso Que perdemos). Prestes, larguei a vela E disse adeus ao cais, à paz tolhida. Desmedida, A revolta imensidão Transforma dia a dia a embarcação Numa errante e alada sepultura… Mas corto as ondas sem desanimar, Em qualquer aventura, O que importa é partir, não é chegar.